quarta-feira, 30 de janeiro de 2008

Entrevista - Regraf

Há um bom tempo, o Coletivo Regraf vem procurando apoio em outros movimentos comunitários para, assim, aperfeiçoar nossos pensamentos e melhorar nossas ações na cidade, como, da mesma forma, trocar idéias e informações sobre os modos de atuações de diferentes grupos. Usando a internet como o principal meio de adquirir essas informações, o Coletivo descobriu que na cidade de Niterói, Rio de Janeiro, dois estudantes do curso de Comunicação Social buscaram, por iniciativa própria, interagir com as comunidades desfavorecidas desta cidade.
Na entrevista abaixo devemos observar, principalmente, que apesar do Rio de Janeiro ser um dos estados mais violentos do país e de ser erroneamente rotulado como um estado perverso e descontrolado, nessas comunidades, há pessoas que, mesmo submetidas a vários obstáculos socioeconômicos, lutam de maneira incansável para proporcionar uma melhor condição de vida aos moradores, dando alegria, carinho, amizade, apoio, confiança e oportunidade de expressão para o povo.



Coletivo Regraf - Fale um pouco da idéia de começar um projeto voltado pra comunidade. A quanto tempo vocês estão em atividade?



FABIO: Escrever sempre foi um prazer para mim. Já atuei em alguns fanzines de Niterói como o Terceiro Mundo, que teve grande divulgação no meio underground e o Prego no Saco, que não passou do número 1. Tenho contos e poesias que alguns amigos já leram, entre outros trabalhos. Conheci o Luiz na faculdade e sempre tivemos vontade de por em prática o que víamos nas salas de aula, mas de uma forma que fosse útil para as pessoas. Depois de várias idéias decidimos que um jornal que levasse a realidade das comunidades carentes ao público seria ótimo. A grande imprensa tende a bestializar o pobre. Aí quando a polícia entra na favela e sai quebrando, as pessoas pensam que está tudo bem, pois ali só mora bandido. A verdade não é essa. E isso foi nossa idéia inicial. Mostrar a verdade. Independente do que eu ou o Luiz pensamos o que agente vê é relatado. E o que nós vemos é uma população abandonada. Carente de tudo... e que mesmo assim conserva seus costumes, se reúne, canta, dança e tenta ser feliz em meio a todo esse caos. Desse projeto surgiram outros. Nossa página dentro do jornal Uniterói tem menos de um ano e o trabalho na internet aproximadamente 2 meses. Ainda somos nenéns. Estamos aprendendo a andar. Os demais projetos ainda estão na fase preparatória, mas já vão começar a acontecer.

LUIZ: A idéia do projeto veio um belo dia após a aula. Queríamos ajudar as comunidades aqui de Niterói, com o que nós estávamos estudando ( jornalismo ) e de uma forma que fosse possível ( custo muito alto ). Estamos trabalhando para publicar a 7ª edição, sendo que, o jornal é quinzenal.


Coletivo Regraf - Mesmo sem apoio privado vocês conseguem manter essa atividade. Como vocês conseguem manter-se no projeto sem receber remuneração material em troca?


FABIO: É muito difícil. Tem dias que agente sai de manhã para trabalhar, da o final da tarde e ainda não almoçamos. Às vezes acaba a bateria da máquina fotográfica no meio da matéria e agente fica com cara de tacho. Mas no fim se da um jeito e acaba saindo. Não fazemos isso por dinheiro. Realmente é gratificante ver as pessoas se realizarem através do nosso trabalho. Esse é o pagamento que conta. Estar fazendo a coisa certa. Tem crianças que nos olham como verdadeiros mágicos quando batemos suas fotos e depois mostramos a imagem na máquina. Fantástico. Só vendo para entender. Podemos dizer que é um trabalho de valorização do ser humano. Além de levarmos a informação até as pessoas, levamos as pessoas até a informação.


LUIZ: No trabalho de campo a gente vai se virando, dá um famoso jeitinho brasileiro. Em relação aos custos de impressão, a faculdade que nos cedeu uma seção fixa de uma página inteira, arca com a conta.


Coletivo Regraf - Aqui, em Recife, o Coletivo encontra certa dificuldade de agir em algumas comunidade violentas. No Rio de Janeiro como é atuar nas comunidades sabendo que parte delas são dominadas pelo tráfico de drogas? A algum tipo de confronto de idéias?


FABIO: Nosso trabalho não aborda a parte policial. Isso já tem muita gente que faz. Nós tentamos ajudar mostrando o lado social do problema. Quando estivemos na Grota, por exemplo, um político ligou para o presidente da associação pedindo que não mostrássemos o problema do esgoto e do acúmulo de lixo. Mandamos avisar a ele que a matéria sairia em 15 dias e que ele teria esse prazo para ir lá e resolver o problema. Daí nós mostraríamos seu trabalho e ficaria até bonito para ele. Bom, nem precisa dizer que o cara não fez nada e a coisa saiu como estava. Talvez isso faça com que não haja o choque de interesses. No fundo o pessoal do tráfico mora lá também e tem parentes no lugar... eles sofrem tanto com a falta d’água quanto qualquer outro... querem ver o problema exposto e discutido. Se cria uma esperança. Tem Alguém interessado. Também fazemos contatos com as Associações e com moradores antes de entrar, mostramos nosso material e eles vêem que é um trabalho diferente dentro do jornalismo. Não é a grande mídia que está querendo fazer sensacionalismo para vender jornal. Muitos não conseguem entrar no Morro do Céu, mas nós fomos lá e somos constantemente convidados a voltar. Aquela sociedade fica satisfeita com o que vê impresso.

LUIZ: Todos nos deixam trabalhar bem à vontade. Nosso trabalho não foca esse tipo de assunto, não fazemos sensacionalismo ao tráfico e sim aos problemas expostos por cada entrevistado. Ganhar uma qualidade básica de vida é um ideal unânime em todas as Comunidades.


Coletivo Regraf - Quais os tipos de atividades realizadas por vocês? Como os moradores da comunidades participam delas?


FABIO: Bem, procuramos mostrar o cotidiano do lugar. Divulgamos artistas e personalidades locais que normalmente não tem espaço. As pessoas vêem que não precisam estar portando uma arma para chegar à primeira página. Se o cara da aula de música para as crianças ele vai ter o seu trabalho reconhecido. Temos também esse trabalho do jornal que vai ser feito por eles mesmos, o que vai incentivar a leitura, a pesquisa e a escrita. Estamos fazendo uma cobertura do campeonato de futebol no Zulu tanto no impresso quanto no Blog. Está sendo feito em Niterói um Conselho de Comunicação Comunitária e estamos acompanhando o processo de perto. No final de 2007 participamos de um seminário na Câmara municipal e convidamos as lideranças comunitárias que tivemos contato durante esse tempo a participar, dando maior visibilidade ao seu trabalho, fazendo inclusive uma entrevista ao vivo durante o evento.

LUIZ: Trabalhamos com o Jornal UNITERÓI ( impresso ) e em vídeo com um quadro no programa que vai estrear num determinado canal da NET. Em breve esperamos poder trabalhar em rádio também.


Coletivo Regraf - Ao longo do tempo como tem sido a reação da comunidade? Quais foram as melhorias para a comunidade?


FABIO: A reação delas é de total apoio e satisfação. O que nós passamos é que esse trabalho só cresce se eles crescerem, pois o trabalho é o bem estar deles. A receptividade é ótima. Na verdade é melhor do que imaginávamos que seria. Tudo acontece de forma natural. Parece um bate papo. Improvisamos o tempo todo. Não existe um programa estabelecido, um formato. Em cada lugar agimos de acordo com a necessidade da comunidade visitada. Nós mergulhamos no processo e interagimos diretamente com eles. As melhorias podem ser divididas em duas: A imediata, que podemos observar na estima da população, quando eles vêem sua importância estampada em um jornal de qualidade igual ou superior a muitos dos da grande imprensa e as de longo prazo que é a coisa de levar problemas omitidos a público. Essa segunda, ainda tem de ter um pouco de paciência para vermos concretizadas, pois para acontecer a mudança desejada leva um pouco mais de tempo.

LUIZ: Assino em baixo na resposta do Fabio.


Coletivo Regraf - Fale um pouco sobre o Jornal?


FABIO: É um jornal Universitário, feito pelos próprios alunos. Na verdade essa é a única ajuda privada que temos. O espaço. Essa idéia que tivemos só conseguiu ser posta em prática com a qualidade de jornal (papel e impressão) que temos depois que o coordenador Marco Bonetti assumiu o cargo e propôs o jornal. Aí sugerimos unir os projetos e ele nos cedeu uma página e agora está nos apoiando nos vídeos. Ainda esse ano estaremos com um programa voltado para as comunidades na Unipli TV, na TV a cabo. Uma parte do jornal que é vendido nas bancas por R$ 0,25 nos é cedida para a divulgação dentro das comunidades, fazendo um intercambio informacional entre elas. Quando falamos na matéria do Morro do Preventório sobre os problemas criados pelo novo Chip da Ampla (companhia que monopoliza o fornecimento de luz) O pessoal do Cavalão leu e já se preveniu, pois eles estavam tentando implantar o mesmo sistema lá.

LUIZ: Estamos no Jornal UNITERÓI desde sua criação até os dias de hoje com a mesma seção COMUNIDADE, projeto esse que vem transformando alunos com ideologias em profissionais realizados.


Coletivo Regraf - Qual a importância, para você, dessa troca de idéias via internet?


FABIO: A internet quando bem usada é uma ferramenta maravilhosa. Ajuda a romper as barreiras criadas pela distancia e promove a união de pessoas com um pensamento em comum.

LUIZ: Quando falamos em troca de experiências é impossível não falar em ganho cultural, seja, bobagem, interessante, ... o que for ! Essa troca de idéias permite muitas vezes clarear nossos próprios pensamentos e também refleti-los.


Coletivo Regraf - Qual o seu recado para os recifenses que querem agir de forma solidária na comunidade?


FABIO: Não desistam. Por mais que as vezes bata o desânimo e que a batalha por nossa própria existência sugue muito de nossa energia, a luta por um mundo melhor vale a pena. A idéia que ninguém pode mudar o mundo é uma ideologia mentirosa e comodista criada pelas minorias que estão se beneficiando com a sociedade como está. Gandhi, Malcon X, Luther king, o partido dos Panteras Negras e muitos outros que poderia citar o dia inteiro aqui, são a prova disso. Todos eles promoveram mudanças significativas em um mundo que ainda tem muito em que se aperfeiçoar.

LUIZ: O simples fato de querer mudar algo já é a força necessária para o início. Junte amigos e parceiros com o mesmo objetivo e faça acontecer! Vá a luta!!!!

Não ganhamos dinheiro com o que fazemos, mas nossa riqueza está na satisfação em poder expor a verdade e com liberdade de expressão.




Matéria sobre os problemas da Alarico de Souza e Beltrão




Protesto no Bairro de Fátima




O esgoto na Comunidade do Cavalão



Montanhas de lixo no meio da Comunidade do Morro do Céu

Vejam a entrevista de Fabio e Luiz com Azul de Barros e saiba mais sobre o trabalho desses dois companheiros em Niterói no blog:

www.comunidadeeditoria.blogspot.com








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